quinta-feira, 7 de junho de 2007

O Terceiro Tira - Flann O'Brien

Lá nas profundezas da terra para onde iam os homens mortos eu logo iria e quem sabe sairia de lá novamente incólume, livre e isento de todas as perplexidades humanas. Talvez eu me tornasse a friagem de um vento de abril, uma parte essencial de algum rio indômito ou ficasse pessoalmente envolvido com a imutável perfeição de alguma montanha eminente que se fizera memorável por ocupar eternamente uma posição no tranqüilo azul distante. Ou talvez uma coisa menor como o movimento na grama num insuportável dia ensolarado e sem vento, alguma criatura oculta tratando dos seus afazeres – bem que eu poderia ser responsável por isso ou por alguma parte importante disso. Ou até aquelas inexplicáveis diferenças que tornam uma tarde distinguível da sua própria manhã, os cheiros, sons e visões das completas e amadurecidas essências do dia, estas poderiam não estar destituídas da minha influência e da minha permanente presença. Ou talvez eu seria uma influência que prevalece na água, alguma coisa marinha bem distante, alguma determinada combinação de sol, luz e água desconhecida e nunca vista, algo inteiramente fora do comum. Existem no vasto mundo turbilhões de existências fluidas e vaporosas que imperam no seu próprio tempo intransitório, despercebidas e inexplicadas, válidas somente em seu incompreensível mistério essencial, justificadas apenas em sua cega e irracional incomensurabilidade, inexpugnáveis em sua real abstração: da qualidade intrínseca de uma tal coisa bem que eu poderia ser no meu devido tempo o âmago quintessencial. Eu poderia ser parte de uma praia deserta ou a agonia do mar quando este irrompe sobre ela em desespero.

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